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Das possibilidades do ensino da arte na escola construtivista: uma vivência com a arte contemporânea

Escrito por Grupo Balão Vermelho | 09/12/2021

Por Ângela Santos de Andrade  |  Professora de Artes Visuais do Ensino Fundamental I e II – 09 de dezembro de 2021

 

O espaço para o ensino da arte na escola construtivista propicia vivências que garantem a interação ativa no processo de aprendizagem dos estudantes, através de projetos pedagógicos dinâmicos, consolidando nosso papel de professores como mediadores do conhecimento.

Ações Impermanentes: duas vivências em arte contemporânea foi um projeto realizado com turmas do Ensino Fundamental, no qual pudemos relacionar as considerações feitas pelas alunas e alunos a alguns elementos formadores da obra de arte contemporânea, afirmando a importância das reflexões sobre o que é vivenciado e de seus registros. 

Dentre as obras abordadas no projeto, inclui-se Sirva-se, criada em 2004 pelo artista Michel Groisman (Rio de Janeiro, 1972), encontrando possíveis interpretações nas análises feitas pelos estudantes, como mostram seus relatos:

“É uma arte completamente diferente do que nós fazemos no dia a dia. Nessa aula, trabalhamos com a arte, o que é óbvio, e com a confiança.” (Texto adaptado da aluna L. do 5º ano).

Através do comentário dessa criança, podemos perceber sua apreensão em relação a uma forma de arte que se materializou diferentemente do que é corriqueiro para ela, no que se refere às produções no campo das artes visuais. Além disso, ela expressa a necessidade de confirmar a natureza artística do que foi realizado, provavelmente pelo fato de ter sido executado no contexto da aula de artes visuais e considerando seu conhecimento sobre a arte contemporânea.

“Ontem na aula de artes, fizemos arte contemporânea. Pensei que a performance fosse mais difícil, pois você tem que ter graciosidade, confiança e controle do equilíbrio. Eu senti como se estivesse em uma plataforma espacial, pois tudo ficou tão calmo! Também vejo nisso um diálogo sem fala, onde você tem que entender o que o outro diz”. (Texto adaptado da aluna E.B. do 5º ano).

No entendimento de E.B., realizamos arte contemporânea, mais especificamente, uma performance. Em sua interpretação, precisamos de confiança, um elemento importante para que essa forma de arte aconteça, ou seja, determinada predisposição emocional e física do indivíduo torna-se imprescindível para a realização da obra. A aluna percebeu o estado de calma proporcionado pela ação, semelhante à sensação de estar em uma plataforma espacial. E, ainda, que, nesse espaço-tempo ocupado pela vivência/ performance, em sua dimensão poética, é constituído um “diálogo sem fala”, no qual as pessoas precisam se entender.

“Fizemos uma performance em que você só precisava de um copo, uma garrafa com água e confiança. Quanto mais gente participando, melhor fica. Metade das pessoas tem que estar com o copo cheio para que possam derramar a água, mas, de olhos fechados, confiando que alguém que esteja com o copo vazio venha enchê-lo. Achei bem divertida esta performance, porque além de aprendermos a ter mais confiança nos outros, isso se transforma em uma brincadeira, sendo para uns engraçada, para outros, um pouco entediante e, para outros, ainda, se transforma em uma forma de relaxamento”. (Texto adaptado de C.L., aluna do 5º ano).

Fazer arte apenas com um copo, uma garrafa com água e confiança é o que nos conta C.L. Em suas primeiras palavras, ela descreve essa lista sucinta de materiais e elementos não usuais, necessários para realizar essa vivência em arte. O copo e a água são elementos do uso cotidiano que aqui estão deslocados de seu contexto habitual, ressignificando-se e tornando-se ferramentas para que a ação aconteça. C.L. destaca a ideia de uma obra coletiva, necessitando das pessoas como agentes. Ela descreve ainda, sob seu olhar, modos de perceber a ação proporcionada ao espectador/participante, a qual define como brincadeira.

Como em vários trabalhos de Michel Groisman, Sirva-se propõe que o espectador seja ao mesmo tempo participante da obra. Essa condição advinda das vanguardas da arte contemporânea, propostas na década de 1960, pressupõe que o espectador/participante se torne também coautor, relativizando o papel do artista, que deixa de ser absoluto na criação da obra. Michel Groisman já realizou a performance em várias instituições e espaços públicos, tanto para iniciados em artes visuais, dança, educação em arte, quanto para leigos no assunto. A acessibilidade da execução e da compreensão da ação em Sirva-se dessacraliza o estatuto da obra de arte, muitas vezes considerada sofisticada e/ou de difícil acesso, sobretudo, muitas daquelas que estão no interior de galerias, museus e instituições afins. O que percebemos em Sirva-se é certo acolhimento do saber de quem se torna coautor, sem necessariamente estar vinculado ao universo de produção artística. Podemos traçar aqui um paralelo com a consideração e valorização das opiniões, conhecimentos e experiências de cada estudante na construção do processo de ensino-aprendizagem na escola construtivista.

Ao receber um copo com água, o espectador/participante é incumbido de derramar o conteúdo do recipiente, fechando os olhos, entregando-se plenamente a uma ação, à primeira vista, singela e natural. Sua única responsabilidade ao aceitar a ação é ter confiança de que outro espectador/participante virá receber a água que despeja, dessa vez, em outro copo, vazio. Em um ritmo contínuo e gradativo, mais conteúdos são despejados ao mesmo tempo em que são acolhidos nos recipientes com essa função. O que se vê, então, é uma espécie de fonte humana que se forma movida por uma ação conjunta, construindo um deslocamento pelo espaço, fazendo com que os espectadores/participantes interajam.

“Achei a performance bem interessante, pois senti uma coisa diferente, que não sei explicar. Eu me senti mais leve, mais calma. Parecia que a gente estava conversando, apenas pelo barulho, e sempre tem a parte engraçada, alguém sempre derrama água em seu corpo e acaba te encharcando. Foi uma experiência fantástica, além de ser legal participar, é lindo de ver!” (Texto adaptado de B.T., aluna do 5º ano).

Ao vivenciar Sirva-se, tornamo-nos integrantes de um processo através do gesto de despejar a água sem nos preocupar com onde ela cairá e, ao mesmo tempo, somos levados a confiar no outro que a pegará. A ação mútua de despejar e receber, pode nos dizer, simbolicamente, sobre desapego e aceitação, contribuição, partilhamento e sobre a ideia de que aquilo somente é viável dentro da coletividade. 

Dentre as possibilidades do ensino da arte na escola construtivista, estão as investigações da arte contemporânea e de suas inter-relações com outras áreas do conhecimento, ratificando suas múltiplas possibilidades, sua aceitação e valorização como formas de expressão cultural em nossa sociedade. A diversidade de linguagens, elementos e materiais utilizados, a questão da descentralização da autoria da obra, tendo o espectador como participante e coautor, o questionamento sobre a legitimidade da arte e a relação arte-vida são temas que trazem inquietações e provocações no espaço do ensino da arte nas escolas.

 

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